terça-feira, 30 de outubro de 2012

Concepções erradas sobre a teoria da evolução e processos evolutivos #2





CONCEPÇÃO ERRADA: Porque a evolução é lenta, os seres humanos não a conseguem influenciar

CORRECÇÃO: Como foi descrito na correcção da concepção errada ‘A evolução apenas ocorre de forma lenta e gradual’, a evolução por vezes ocorre de forma rápida. E uma vez que os seres humanos muitas vezes causam grandes alterações no ambiente, somos frequentemente os instigadores da evolução de outros organismos.

Aqui estão apenas alguns exemplos de evolução causada por acções humanas, para explorar [em inglês]:

- insectos como percevejos ou pestes agrícolas evoluíram resistências aos nossos pesticidas;
- bactérias, o vírus HIV, parasitas que provocam malária e o cancro evoluíram resistências aos nossos fármacos.

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CONCEPÇÃO ERRADA: A deriva genética ocorre apenas em populações pequenas

CORRECÇÃO: A deriva genéticaa tem um efeito maior em populações pequenas mas o processo ocorre em todas as populações - grandes ou pequenas.

A deriva genética ocorre porque, devido ao acasoa, os indivíduos que se reproduzem podem não representar exactamente o património genético de toda a populaçãoa. Por exemplo, numa geração de uma população de ratos de cativeiro, os indivíduos de pêlo castanho podem-se reproduzir mais do que os indivíduos de pêlo branco, fazendo com que a versão do genea que codifica o pêlo castanho aumente na população - não porque beneficia sobrevivências mas apenas devido ao acaso.

O mesmo processo ocorre em populações grandes: alguns indivíduos podem ter sorte e deixar muitas cópias dos seus genes na geração seguintes enquanto outros podem ter azar e deixar menos cópias. Isto faz com que a frequência de diferentes versões de um gene sofra flutuações (“derive”) de geração para geração. No entanto, em populações grandes, as alterações das frequências de um gene de geração para geração tende a ser pequena enquanto em populações pequenas estas alterações podem ser maiores.

Independentemente do seu impacto ser maior ou menos, a deriva genética ocorre sempre, em todas as populações. É igualmente importante ter em atenção que a deriva genética actua ao mesmo tempo que outros mecanismos evolutivos, como a selecção naturala ou a migraçãoa.

Para saber mais sobre deriva genética, veja o separador Evolution 101 [em inglês].

Para saber mais sobre tamanho populacional e qual a sua relação com a deriva genética, veja este artigo avançado [em inglês]. 
Veja também esta actividade pedagógica.
 
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CONCEPÇÃO ERRADA: Os seres humanos não estão a evoluir

CORRECÇÃO: Actualmente, os seres humanos são capazes de modificar o ambiente com tecnologia. Inventámos tratamentos médicos, práticas agrícolas e estruturas económicas que alteram significativamente os desafios da reprodução e sobrevivência que enfrentamos. Por isso, por exemplo, porque conseguimos tratar a diabetes com insulina, nos países desenvolvidos a versão genética que contribui para a diabetes juvenil já não está sob a forte influência da selecção negativa (ou seja, já não é fortemente seleccionada para desaparecer).

Alguns argumentaram que tais avanços tecnológicos significam que optámos por nos excluirmos do jogo da evolução e nos colocámos fora do alcance da selecção natural - essencialmente, que parámos de evoluir. No entanto, não é este o caso.

Os seres humanos ainda enfrentam desafios à sobrevivência e à reprodução só que não são os mesmos de há 20 mil anos. A direcção, mas não o facto, da nossa evolução mudou. Por exemplo, os humanos modernos que vivem em áreas densamente povoadas enfrentam maiores riscos de doenças epidémicas que os nossos ancestrais caçadores-recolectores (que, no seu dia-a-dia, nunca contactaram de forma próximas com tantas pessoas) - e esta situação favorece a disseminação de versões genéticas que nos protegem destas doenças.

Os cientistas descobriram muitos destes casos de evolução humana recente. Explore estas ligações [em inglês] para saber mais sobre:



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CONCEPÇÃO ERRADA: As espécies são entidades naturais distintas, com uma definição clara, e que são facilmente identificáveis por qualquer pessoa

CORRECÇÃO: Muitos de nós estão familiarizados com o conceito biológico de espécie, que define uma espécie como um grupo de indivíduos que realmente ou potencialmente acasalam na natureza.

Esta definição pode parecer exacta e lógica -e para muitos organismos (por ex., mamíferos), funciona bem- mas em inúmeros outros casos é difícil de aplicar. Por exemplo, muitas bactérias reproduzem-se assexuadamente. Nestes casos, como se pode aplicar o conceito biológico de espécie?

Muitas plantas e alguns animais produzem híbridos na natureza, mesmo se maioritariamente se cruzem com indivíduos do seu próprio grupo. Deverão os grupos que ocasionalmente hibridizam em áreas específicas ser considerados a mesma espécie ou espécies distintas?

O conceito de uma espécie é confuso porque os humanos inventaram o conceito para facilitar a compreensão da diversidade do mundo natural. É difícil de aplicar porque o termo espécie reflecte a nossa tentativa de dar nomes discretos a diferentes partes da árvore da vida - que não é nada discreta, mas sim uma teia da vida contínua, ligada desde as suas raízes até às suas folhas.

Para saber mais sobre o conceito biológico de espécies, veja o separador Evolution 101 [em inglês].

Para saber mais sobre outros conceitos de espécies, visite este separador [em inglês].


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a Definição no Glossário

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Concepções erradas sobre a teoria da evolução e processos evolutivos #1




CONCEPÇÃO ERRADA: A evolução é uma teoria sobre a origem da vida

CORRECÇÃO: De facto, a teoria da evolução inclui ideias e evidências relacionadas com a origem da vida (por ex., se ocorreu ou não próximo de uma fonte hidrotermal oceânica, a grande profundidade, que molécula orgânica surgiu primeiro, etc.) mas este não é o tópico central da teoriaa da evolução. 

A maior parte dos biólogos evolutivos estuda a forma como a vida terá mudado depois da sua origem. Independentemente de como a vida começou, depois ramificou-se e diversificou-se, e a maior parte dos estudos sobre evolução focam-se nesses processos.

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CONCEPÇÃO ERRADA: A teoria da evolução implica que a vida tenha evoluído (e continue a evoluir) de forma aleatória, ou ao acaso

CORRECÇÃO: A sorte e o acasoa influenciam a evolução e a história da vida de maneiras muito diferentes; no entanto, alguns mecanismos evolutivos importantes são não-aleatórios e estes tornam todo o processo não-aleatório. 

Por exemplo, considere-se o processo de selecção naturala, que resulta em adaptaçõesa - características dos organismos que parecem adequar-se ao ambiente em que ele vive (por ex., a adequação entre a flor e o seu polinizador, a coordenação da resposta imunitária contra agentes patogénicos e a capacidade de ecolocalização dos morcegos). Estas incríveis adaptações claramente não aconteceram “por acaso”. Elas evoluíram através de uma combinação de processos aleatórios e não-aleatórios. 

O processo de mutaçãoa, que gera variação genéticaa, é aleatório, mas a selecção é não-aleatória. A selecção favoreceu variantes mais capazes de sobreviver e se reproduzirem (por ex., para ser polinizado, para se defender de agentes patogénicos ou de se orientar no escuro). Ao longo de muitas gerações de mutações aleatórias e selecção não-aleatória, evoluíram adaptações complexas. Dizer que a evolução acontece “por acaso” é ignorar metade da história.

Para aprender mais sobre selecção natural, veja o artigo sobre esse tópico [em inglês] ou esta publicação. Para aprender mais sobre mutações aleatórias, veja o artigo sobre ADN e mutações [em inglês].

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CONCEPÇÃO ERRADA: A evolução resulta no progresso; através da evolução, os organismos estão continuamente a aperfeiçoar-se

CORRECÇÃO: Um importante mecanismo evolutivo, selecção natural, resulta na evolução de aptidões de sobrevivência e reprodução melhoradas; no entanto, isto não significa que a evolução é progressiva - por variadas razões. 

Primeiro, conforme irá ser descrito na correcção da concepção errada ‘A selecção natural produz organismos que estão perfeitamente adaptados ao seu ambiente’, a selecção natural não produz organismos perfeitamente adaptados ao seu ambiente. Muitas vezes permite a sobrevivência de indivíduos com uma pluralidade de características - indivíduos que são “suficientemente bons” para sobreviver. Logo, não são sempre necessárias alterações evolutivas para que uma espécie persista. Muitos taxaa (como musgos, fungos, tubarões, didelfimorfos [mamíferos marsupiais americanos, da ordem Didelphimorphia] e lagostins) mudaram pouco fisicamente ao longe de grandes extensões de tempo. 

Segundo, há outros mecanismos evolutivos que não causam alterações adaptativas. Mutaçãoa, migraçãoa e deriva genéticaa podem levar a que populações evoluam de maneiras que são largamente prejudiciais ou que as torna menos adaptadas ao seu ambiente. Por exemplo, a população Africander da África do Sul tem uma frequência anormalmente elevada do variante genético que causa a doença de Huntington porque este terá aumentado em frequências, por deriva genética, à medida que a população cresceu, a partir de uma pequena população fundadora. 

Finalmente, a noção de “progresso” não faz sentido quando falamos de evolução. Alterações climáticas, mudanças de caudais de rios, invasões de novos competidores - e um organismo com uma característica que é benéfica numa situação pode estar mal equipado para sobreviver quando o ambiente muda. E mesmo que nos focássemos num único ambiente e habitat, a ideia de como medir o “progresso” é enviesada pela perspectiva do observador. Da perspectiva de uma planta, a melhor medida de progresso pode ser a capacidade de realizar a fotossíntese; de uma aranha, pode ser a eficiência de um sistema de transferência de veneno; de um humano, a capacidade cognitiva. 

É tentador ver a evolução como uma grande escada progressiva, com o Homo sapiens a emergir no seu topo. Mas a evolução produz uma árvore, não uma escada - e nós somos apenas um de muitos ramos nessa árvore.

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CONCEPÇÃO ERRADA: Os organismos podem evoluir durante o seu tempo de vida

CORRECÇÃO: A definição de alterações evolutivas baseia-se em alterações no património genético das populações ao longo do tempo. São as populações, e não os indivíduos, que mudam. Alterações que ocorrem num indivíduo durante o seu tempo de vida podem ser de desenvolvimentoa (por ex., um macho de uma ave a quem cresce uma plumagem mais colorida quando atinge a maturação sexual) ou podem ser causadas pela forma como o ambiente afecta um organismo (por ex., uma ave que perde penas porque está infectada por parasitas); no entanto, estas mudanças não são causadas por alterações nos genesa

Apesar de ser útil haver uma forma das alterações ambientais causarem alterações adaptativas nos nossos genes - quem não gostaria de ter um variante genético de resistência à malária quando fosse de férias para Moçambique? - a evolução não funciona dessa forma. 

Novos variantes genéticos (ou seja, alelosa) são produzidos por mutações aleatórias e, ao longo de muitas gerações, a selecção natural pode favorecer variantes vantajosos, levando a que estes se tornem mais comuns na população.

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CONCEPÇÃO ERRADA: A evolução apenas ocorre de forma lenta e gradual

CORRECÇÃO: A evolução ocorre de forma lenta e gradual mas também pode ocorrer rapidamente. Temos vários exemplos de evolução lenta e gradual - por exemplo, a evolução gradual das baleias a partir do seu mamífero terrestre ancestral, como documentado no registo fóssil. Mas também sabemos de muitos casos em que a mutação ocorreu rapidamente. Por exemplo, temos um registo fóssil detalhado que mostra como algumas espécies de organismos unicelulares, chamados foraminídeos, evoluíram novas formas num piscar de olhos geológico, como se mostra abaixo.  


















[eixo do y: anos, em milhares de anos; eixo do x: forma da concha de foraminídeos; seta: período de evolução rápida]


 Da mesma forma, podemos observar episódios de evolução rápida a acontecer ao nosso redor todo o tempo. Ao longo dos últimos 50 anos, observámos esquilos a evoluir novas épocas reprodutivas em resposta a alterações climáticas, uma espécie de peixe a evoluir resistência a toxinas despejadas ilegalmente no rio Hudson e uma série de micróbios a evoluir resistência a novos medicamentos que desenvolvemos. Diversos factores podem favorecer a evolução rápida - populações de pequeno tamanho, tempos de geração curtos, grandes mudanças nas condições ambientais - e as evidências deixam claro que isto já aconteceu várias vezes. 

Para aprender mais sobre o ritmo da evolução, veja o separador Evolution 101 [em inglês].

Para aprender mais sobre evolução rápida em resposta a alterações ambientais causadas pelos humanos, veja a notícia sobre alterações climáticas [em inglês], a reportagem sobre evolução de peixes resistentes ao PCB [em inglês], ou o perfil de um investigador sobre a evolução do tamanho dos peixes em resposta às práticas pesqueiras [em inglês].



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a Definição no Glossário.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Glossário


Para acompanhar as explicações que corrigem as concepções erradas listadas pelo projecto Understanding Evolution, foram também traduzidas as definições de alguns conceitos importantes no estudo da evolução biológica.

Esses conceitos e respectiva definição, incluindo ligações para alguns recursos educativos desenvolvidos pela equipa do projecto Understanding Evolution, encontram-se reunidos na página Glossário.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Concepções erradas sobre evolução*



Resumo das principais concepções erradas sobre evolução:




Concepções erradas sobre a teoria da evolução e processos evolutivos

. A evolução é uma teoria sobre a origem da vida
. A teoria da evolução implica que a vida tenha evoluído (e continue a evoluir) de forma aleatória, ou ao acaso
. A evolução resulta no progresso; através da evolução, os organismos estão continuamente a aperfeiçoar-se
. Os organismos podem evoluir durante o seu tempo de vida
. A evolução apenas ocorre de forma lenta e gradual
. Porque a evolução é lenta, os seres humanos não a conseguem influenciar
. A deriva genética ocorre apenas em populações pequenas
. Os seres humanos não estão a evoluir
. As espécies são entidades naturais distintas, com uma definição clara, e são facilmente identificáveis por qualquer pessoa

Concepções erradas sobre selecção natural e adaptação

. Selecção natural implica que os organismos se tentam adaptar
. A selecção natural dá aos organismos o que eles precisam
. Os seres humanos não podem ter impactos negativos nos ecossistemas porque as espécies irão evoluir de acordo com o que precisam para sobreviver
. A selecção natural actua para beneficiar as espécies
. Numa população, os organismos mais aptos são aqueles que são mais fortes, saudáveis, rápidos e/ou maiores
. A selecção natural é a sobrevivência dos organismos mais aptos numa população
. A selecção natural produz organismos que estão perfeitamente adaptados ao seu ambiente
. Todas as características de um organismo são adaptações

Concepções erradas sobre árvores evolutivas

. Taxa que são adjacentes nas pontas de uma filogenia são mais próximos entre si do que com qualquer outro taxa em pontas mais distantes da filogenia
. Taxa que aparecem perto da ponta ou no lado direito da filogenia são mais avançados que os outros organismos na árvore
. Taxa que aparecem perto da base ou no lado esquerdo da filogenia representam os ancestrais dos outros organismos na árvore
. Taxa que aparecem perto da base ou no lado esquerdo da filogenia evoluíram mais cedo do que os outros taxa da árvore
. Numa filogenia, um braço longo indica que o táxon mudou pouco desde que divergiu de outros taxa

Concepções erradas sobre genética populacional

. Cada característica é influenciada por um locus do tipo Mendeliano
. Cada locus tem apenas dois alelos

Concepções erradas sobre a teoria da evolução e sobre a natureza da ciência

. A evolução não é ciência porque não pode ser observada ou testada
. A evolução é ‘apenas’ uma teoria
. A teoria da evolução é inválida porque é incompleta e não consegue dar uma explicação completa para a biodiversidade que observamos à nossa volta
. As falhas no registo fóssil refutam a evolução

Concepções erradas sobre a aceitação da evolução

. A teoria da evolução tem falhas mas os cientistas não o admitem
. A evolução é uma teoria em crise e está a colapsar à medida que os cientistas perdem crédito nela
. A maior parte dos biólogos rejeitou o ‘Darwinismo’ e já não concordam com as ideias desenvolvidas por Darwin e Wallace

Concepções erradas sobre as implicações da evolução

. A teoria da evolução leva a comportamentos imorais
. A evolução suporta a ideia de ‘o poder faz a razão’ (da expressão em inglês ‘might makes right’) e racionaliza a opressão de algumas pessoas por outras
. Se se ensinar aos estudantes que eles são animais, eles ir-se-ão comportar como animais

Concepções erradas sobre evolução e religião

. A teoria da evolução e a religião são incompatíveis

Concepções erradas sobre o ensino da evolução

. Os professores devem ensinar “os dois lados” do tema da evolução e deixar os estudantes decidir - ou dar tempo igual para o evolucionismo e o criacionismo
. A própria teoria da evolução é religiosa e portanto exigir que os professores ensinem evolução dá prioridade a uma religião em detrimento das restantes e viola a liberdade de expressão (viola a primeira emenda, no original)




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* Esta série é uma tradução do site Understanding Evolution, Misconceptions about Evolution, e os conteúdos irão sendo arquivados na página 'Concepções erradas', neste blogue.